A bazuca de que ninguém fala: PAC
Muito se pode dizer sobre os níveis de abandono em que caíram os territórios e as populações rurais no que diz respeito à aplicação de políticas públicas, mas há um facto inegável: não é apenas por insuficiência orçamental que esta situação se perpetua. A aplicação das verbas da Política Agrícola Comum é um exemplo de fracasso e de deturpação de dinheiros públicos destinados ao desenvolvimento rural que perdura há décadas. O Governo está neste momento a preparar a transposição da nova PAC, com aplicação até 2027, para o qual está assegurado um envelope financeiro de 10 mil milhões de euros – para comparação, o famoso PRR corresponde a 16 mil milhões. A PAC é a bazuca de que ninguém fala, que está a ser negociada nas costas do sistema democrático com a complacência do Governo e de todos aqueles que recorrem à estratégia do silêncio para que tudo se mantenha como está.
Tem sido assim em todas as mudanças de quadro comunitário desde a adesão de Portugal à comunidade europeia. No Ribatejo e no Alentejo há uma minoria de explorações agrícolas de grande dimensão que se especializou na captura de subsídios e tomou conta do ministério da agricultura. No jogo de bastidores são determinantes para o desenho das medidas de financiamento e também para a sua gestão ao longo dos anos seguintes. Acordam medidas compensatórias para manutenção das suas rendas sempre que mudam as regras comunitárias. E assim chegámos aos dias de hoje, em que 4 em cada 10 explorações agrícolas nacionais estão fora destes subsídios. E dentro do universo dos abrangidos, 2% beneficiam de um terço das ajudas, enquanto do outro lado, 90% das explorações agrícolas, localizadas essencialmente nas regiões norte e centro beneficiam de apenas um terço dos apoios.
Abundam as denúncias de que a Política Agrícola Comum em Portugal foi transformada num sistema de atribuição de rendas escandalosas que lesam o interesse público. Na sua maioria, quem as recebe não tem qualquer compromisso: não precisam de cultivar a terra, não precisam de criar emprego, não prestam contas por qualquer serviço ambiental. Basta que sejam herdeiros de um histórico de produção datado dos anos 90 - condição obrigatória - e que tenham a sua conta bancária declarada no IFAP. E assim têm uma renda anual, quanto maior o proprietário mais recebe. Mais de metade da despesa pública da PAC depende da área declarada.
É tempo de acabar com este abuso e o Governo tem de meter as cartas em cima da mesa. Em 2020 foram contratados serviços privados para produzir uma avaliação ambiental estratégica e uma avaliação Ex-Ante para suportar o Plano Estratégico da PAC. Até ao momento não se conhecem resultados. Estes serviços podiam ter sido entregues a instituições de investigação e ensino superior públicas, mas o Governo preferiu a promiscuidade e decidiu fazê-lo através da Agroges, empresa privada dirigida por Francisco Gomes da Silva, ex-Secretário de Estado das florestas do Governo de Assunção Cristas e Passos Coelho e atual diretor de uma associação da indústria da celulose, a CELPA.
Os atrasos acumulam-se e três meses depois da data prevista ainda não se conhece a proposta de Plano Estratégico que o Governo anunciou tornar pública. Se não for conhecida nos próximos dias, será ainda mais evidente o conflito entre o cumprimento dos prazos comunitários e a possibilidade de escrutínio e participação cívica, pois o mesmo tem de ser concluído até ao final do ano. O Bloco de Esquerda leva a votos no parlamento, no próximo dia 1 de outubro, o Projeto de Resolução para uma Política Agrícola Comum mais útil para a sociedade e mais justa para todos os territórios e agricultores.