Respostas à crise na habitação
A pandemia do coronavírus veio lembrar ao mundo a importância de dotar os países de sistemas públicos de saúde fortes e preparados para enfrentar uma ameaça à saúde pública de grandes dimensões. Mas numa altura em que as autoridades mandam toda a gente para casa por razões de saúde pública, “compreendemos também o problema que a crise habitacional representa na saúde pública", afirma a deputada bloquista Maria Manuel Rola no seu artigo publicado neste dossier, onde passa em revista as décadas de atraso português nas políticas de habitação pública e os passos dados nos últimos anos, ainda à espera da concretização de investimentos sempre adiados.
A crise económica dos próximos tempos representa uma ameaça séria ao direito à habitação. Todos vimos nos últimos anos, e voltamos a mostrar neste dossier, o que se passou em Lisboa e no Porto nos artigos da advogada Catarina Silva e da arquitecta Daniela Alves Ribeiro. Rendas a subir para valores incomportáveis a famílias com rendimentos médios, casas dos centros históricos entregues à exploração de alojamento local, preço da avaliação das casas a subir à boleia das compras imobiliárias em troca de “vistos gold” para circular na Europa ou dos benefícios fiscais a não residentes, como recorda neste dossier o advogado Vasco Barata. Uma bolha que encheu e agora vai rebentar, defende Ricardo Moreira, apelando à intervenção pública para evitar que a situação de crise habitacional se repita. “Só assim se prepara o futuro para o dia depois de amanhã e se garante que as casas são para as pessoas viverem”, avisa o deputado municipal do Bloco.
Agora, todos se viram para Bruxelas à espera do dinheiro que falta na economia real. Mas no que diz respeito à habitação, e apesar do historial diferentes nas políticas públicas de cada país, a União Europeia nunca favoreceu o fortalecimento dessas políticas, antes promovendo, no caso português, o apoio à aquisição de casa própria com os baixos juros até ao início deste milénio, ou acabando por impor a desproteção dos inquilinos e o aumento das rendas através do memorando da troika, como nos recorda o investigador Simone Tulumello.
No plano internacional, olhamos para as exigências da esquerda norte-americana, num artigo do investigador Peter Gowan a elencar medidas de emergência face à crise do coronavírus: suspensão dos despejos, congelamento das rendas e requisição do parque habitacional devoluto para evitar concentrar ainda mais gente nos abrigos e albergues, bem como nas ruas.
Também damos destaque ao que Berlim decidiu fazer meses antes desta crise para contrariar o avanço da Wohnungsnot, a "emergência habitacional”: o congelamento das rendas entrou em vigor em fevereiro e foram introduzidos tetos às rendas, tabelados por lei. “Os senhorios deixam de ter interesse em despejar, pois a renda não pode aumentar, e pode inclusive baixar. Os moradores libertam-se do medo de mudar de casa”, explica-nos José Borges Reis.
Por fim, vale a pena ler um excerto da brochura editada no ano passado em conjunto pela European Action Coalition for the Right to Housing and to the City e Fundação Rosa Luxemburgo. Dez anos após a crise despoletada pelo mercado de hipotecas subprime, o setor financeiro continua a ditar as regras do mercado imobiliário em quase todo o mundo, à margem do interesse das populações. A relação entre o capital e a habitação, ou a financeirização da habitação, é o tema do excerto que aqui publicamos.
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