Os deputados do BE no Parlamento Europeu José Gusmão e Marisa Matias dirigiram um pacote de três perguntas à Comissão Europeia sobre fundos da agricultura distribuídos em Portugal.
Tendo em conta a nova Política Agrícola Comum votada em outubro e planeada para iniciar em 2021, bem como os objetivos climáticos estipulados na UE e a responsabilidade acrescida da presidência portuguesa do Conselho, estas questões tornam-se cruciais especialmente num momento de reconstrução da economia europeia em contexto de pandemia.
Com as três perguntas (abaixo) os deputados apontam três questões que impedem a coesão territorial e a resiliência de regiões e tipos de agricultura deixados de fora nos últimos quadros:
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Os fundos da Política Agrícola Comum são distribuídos de forma desigual, com mais de 40% das explorações agrícolas excluídas de qualquer subsídio, sendo estes encaminhados tendencialmente para as maiores explorações, para regiões em específico e para modos de cultivo ecologicamente insustentáveis
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Há beneficiários dos subsídios da PAC que promovem a exploração laboral com recurso a migrantes sazonais, a quem pagam remunerações irrisórias e oferecem “habitação” com condições indignas. É urgente ter em conta o trabalho quando se fala da PAC, excluindo as explorações que não respeitem direitos laborais
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O Plano de Regadios, lançado pelo Governo com fundos comunitários, privilegia a região do Alentejo sem qualquer base científica ou avaliação ambiental estratégica, como recomendam os regulamentos nacionais e europeus
Espera-se que, em coerência com as políticas recentemente aprovadas para o ambiente, a agricultura e para a resiliência e coesão territorial, a Comissão pressione o Governo português a alterar práticas desequilibradas e pouco transparentes na distribuição de subsídios.
José Gusmão lembra o discurso que a Presidente da Comissão Europeia deu hoje na abertura do evento Investing in Climate Action:
«Ursula Von der Leyen disse hoje, logo a seguir a referir a importância da comida local e orgânica para o futuro de uma Europa Verde, que "temos de garantir a qualidade do nosso investimento e maximizar o impacto de cada euro que gastamos". Estamos totalmente de acordo. É por isso que, em plena pandemia e emergência climática, é de uma irresponsabilidade atroz continuar a distribuir subsídios para agricultura sem critérios ecológicos ou sociais, ou seja, sem garantir que as explorações agrícolas contemplam de facto cultivo (sustentável) e criação de empregos»
Sobre o processo de preparação do Plano Estratégico nacional da PAC, o deputado do BE na AR Ricardo Vicente afirma que «tem decorrido de forma pouco transparente e com baixa participação pública. Associada à falta de abertura do Governo para acolher contributos exteriores, a situação já levou a uma demissão e à manifestação de descontentamento por parte de vários especialistas que integram o Painel de Peritos que o Governo criou para o efeito. Em causa está a continuidade de um regime de privilégio, que entrega subsídios em função da área, independentemente de a mesma ser cultivada ou não, e não contempla o emprego familiar e assalariado criado ou mantido.»
Três Perguntas - Comissão Europeia:
1. Desigualdades na distribuição de fundos da PAC
Mais de 40% das explorações agrícolas portuguesas estão excluídas de qualquer subsídio da PAC. Se analisarmos as regiões da Estremadura e do Algarve, mais de dois terços não tiveram financiamento ao longo dos últimos dois quadros comunitários. Estudos recentes, com base nos Inquéritos de Estrutura às Explorações Agrícolas, apontam que a cobertura dos subsídios é tendencialmente maior nas grandes explorações agrícolas do que nas pequenas, e que existem grandes discrepâncias entre regiões e tipos de agricultores. É exemplo a passagem dos Regimes de Pagamento Único a Regimes de Pagamento Base, suportados por um histórico de atividade desajustado da realidade, o que concentrou os direitos de pagamento no Alentejo, que em 2018 detinha 62% dos direitos nacionais. Também os pagamentos diretos da produção integrada e outras medidas agroambientais têm contribuído para acentuar as desigualdades. A não ser que haja uma mudança estrutural, estas políticas contradizem os objetivos da PAC de sustentabilidade social, redistribuição, coesão territorial e apoio à pequena agricultura. A Comissão tem conhecimento da forma como os subsídios são distribuídos em Portugal? Que fará para promover regimes de pagamento abertos a todos os agricultores a partir de 2023? Aceitará desigualdades destas nos planos estratégicos nacionais?
2. Beneficiários da PAC promovem exploração laboral
Se considerarmos as Unidades de Trabalho Anual na análise à distribuição de apoios da PAC, constata-se que o apoio atribuído por UTA é cerca de dez vezes maior na região do Alentejo do que na região oeste e no Pinhal Interior, por exemplo, prejudicando bastante a agricultura familiar. É sabido que muitos dos beneficiários da PAC promovem abuso laboral, com recurso a trabalho precário, alojando trabalhadores imigrantes em contentores com condições de habitação indignas, com baixa remuneração, representando elevados riscos de insustentabilidade social e ambiental. Tendo o Governo português colaborado com a legitimação de ilegalidades no tratamento destes trabalhadores, ao equiparar a equipamentos agrícolas as estruturas precárias inaptas para habitação, não há qualquer garantia de que não continuará a haver abuso de migrantes sazonais nas grandes explorações. O comissário Janusz Wojciechowski afirmou recentemente ser a favor de excluir dos apoios as explorações que não respeitem direitos laborais. Contemplando a promoção de equidade territorial e social, bem como a valorização do trabalho agrícola familiar e assalariado, está a Comissão disponível para tornar obrigatório o respeito dos mais básicos direitos humanos e a suspender pagamentos a quem não cumpra a lei laboral?
3. Programa Nacional de Regadios sem base científica
O Programa Nacional de Regadios aprovado em 2020 tem um investimento público de 534 milhões de euros proveniente do Programa de Desenvolvimento Rural 2020 (267M€), do Banco Europeu de Investimento (187M€) e do Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa (80M€). A intervenção deste programa ocorre maioritariamente no Alentejo, não sendo conhecidos os motivos que levam o Governo a privilegiar esta região. A crise climática obriga a políticas assentes em conhecimento científico e num planeamento cuidado que tenha em conta a resiliência presente e futura das diversas regiões. Não existiu Avaliação Ambiental Estratégica para apoiar as decisões tomadas no âmbito deste programa, como recomenda a legislação nacional e comunitária. Apoiar a monocultura intensiva através do aumento de área regada em zonas de escassez hídrica é um erro que apenas agrava o problema. Tendo em mente os objetivos de sustentabilidade social e ambiental, poderá a Comissão instar o Governo Português a promover uma maior distribuição no contexto deste Plano de Regadio? Sendo que a legislação comunitária dita que estes programas devem ser estruturados com base em evidência científica, tenciona pressionar o Governo a divulgar o que esteve na base desta distribuição ou, caso não haja base científica, a promover essa investigação?