Bloco de Esquerda propõe criação de Rede Pública de Viveiros para recuperação das Áreas Ardidas

O Bloco de Esquerda apresenta um Projeto de Lei que destaca a necessidade de promoção de políticas públicas para transformar a paisagem e recuperar áreas ardidas com maior incorporação de plantas autóctones para uma transformação que não levará menos de uma década a ocorrer, se bem planeada e executada. 

A floresta representa o principal uso do solo em Portugal, representando, os espaços silvestres, cerca de 67% do território nacional. No entanto, apenas 46% dos espaços florestais possuem cadastro predial e 20% do território não possui dono ou este é desconhecido, segundo os dados de perfil florestal divulgados pelo ICNF em 2017. Em 2010, a superfície florestal nacional era de 3,3 milhões de hectares, dos quais os povoamentos florestais ocupavam 92%. Os pinheiros bravos representavam 21% dos povoamentos florestais, os eucaliptos 25%, os sobreiros 24%, as azinheiras 11%, os carvalhos 2,2% e os castanheiros 1,4% (6º inventário florestal, ICNF).

Em Portugal, apenas 3% dos terrenos florestais são detidos por entidades públicas, 6% por comunidades locais (baldios) e 92% pertencem a várias centenas de milhares de proprietários privados. Entre os privados, 67% têm uma dimensão inferior a 5 hectares, totalizando 26% da área florestal, não fazendo qualquer investimento. Apenas metade destes obtém rendimento da floresta, embora de forma irregular. O pinheiro bravo é a espécie dominante entre os proprietários com menos de 5 hectares e o eucalipto entre os proprietários com 5 a 100 hectares (Estratégia Nacional para as Florestas de 2006).

Da combinação entre a atual estrutura e composição da floresta, das insuficiências ou ausência de gestão florestal em vastas áreas do território e do aumento da intensidade e frequência de fenómenos meteorológicos extremos, a redução do risco de incêndio depende crescentemente da política pública para a floresta, que deve ser fortemente articulada com o Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais.

É assim necessário intervir ao nível da paisagem, garantindo a diversificação das áreas florestais, com incorporação de espécies que garantam maior resiliência do território aos incêndios e uma maior resiliência do sistema climático como um todo. Para percorrer este caminho é necessário que o país tenha capacidade de produção de plantas e sementes autóctones essenciais para a transformação da paisagem.

Não obstante a existência de operadores privados neste segmento, o Estado não deve abdicar da sua capacidade de produção própria de sementes e plantas autóctones certificadas e de elevada qualidade. Para o efeito o Instituto da Conservação da Natureza e da Floresta possui quatro viveiros: o viveiro de Amarante, o da Malcata, o de Valverde e o de Monte Gordo, estando este último quase desativado.

Após os grandes incêndios de 2017, onde arderam mais de meio milhão de hectares em território nacional, entre os quais, dezenas de milhares de hectares de propriedade e gestão pública, demonstrou-se a insuficiência dos viveiros do ICNF, que deveriam duplicar a sua capacidade produtiva apenas para responder às necessidades das matas nacionais ardidas.

Sendo necessária a promoção de políticas públicas para transformar a paisagem e recuperar áreas ardidas com maior incorporação de plantas autóctones, importa garantir a disponibilidade de plantas e sementes certificadas em número e em qualidade, a preços acessíveis, para uma transformação que não levará menos de uma década a ocorrer, se bem planeada e executada. Atualmente o ICNF, além da fraca capacidade produtiva, tem uma fraca capacidade para assegurar o necessário acompanhamento do trabalho dos viveiros privados e respetivas certificações.

Assim, o Bloco de Esquerda considera que o Governo deve garantir o necessário investimento público para impulsionar a capacidade de produção de sementes e plantas autóctones, garantindo desta forma o seu fácil acesso aos proprietários florestais que pretendam recuperar áreas ardidas ou rearborizar áreas que atualmente estejam ocupadas com eucaliptos e outras plantas invasoras ou com comportamentos invasores. Todos os apoios públicos destinados à diversificação florestal e à transformação da paisagem devem estar condicionados ao uso de sementes e plantas autóctones certificadas e produzidas pelos viveiros do ICNF, sempre que o ICNF tenha capacidade de fornecimento em tempo útil.

Assim, nos termos constitucionais e regimentais aplicáveis, as Deputadas e os Deputados do Bloco de Esquerda, apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto 

A presente Lei determina a requalificação e reforço dos viveiros do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), garantindo uma rede de viveiros públicos com cobertura nacional para multiplicação de espécies florestais autóctones certificadas, destinadas à rearborização de áreas ardidas ou de elevado risco de incêndio e à substituição de áreas ocupadas por povoamentos constituídos por espécies de Eucalyptus spp. e outras espécies invasoras ou com comportamentos invasores, promovendo desta forma a transformação da paisagem e a resiliência do território aos incêndios e às alterações climáticas.

Artigo 2.º

Identificação e quantificação de necessidades

No prazo de seis meses após a publicação da presente Lei, o Governo garante a elaboração de um estudo que identifique e quantifique as seguintes previsões:

Artigo 3.º

Requalificação de viveiros e ampliação da capacidade produtiva do ICNF

No prazo de um ano após a publicação do presente diploma, o Governo deve publicar a calendarização dos investimentos necessários de forma a dotar o ICNF de capacidade produtiva de sementes e plantas autóctones certificadas para responder às necessidades identificadas pelo estudo referido no Artigo 2.º, nomeadamente no que diz respeito a instalações, equipamentos e meios humanos.

Artigo 4.º

Acessibilidade

1 – Todos os investimentos públicos destinados à arborização e rearborização de áreas florestais com recurso a espécies autóctones estão obrigados a recorrer preferencialmente às plantas e sementes produzidas pelos viveiros do ICNF sempre que o mesmo as consiga disponibilizar em tempo útil.

2 – A atribuição de apoios públicos a beneficiários privados destinados à arborização ou rearborização de áreas florestais com recurso a espécies autóctones está condicionada à utilização de plantas e sementes certificadas e produzidas pelo ICNF sempre que o mesmo as consiga disponibilizar em tempo útil.

3 – O ICNF deve garantir o fornecimento das plantas referidas nos números anteriores a preços controlados e acessíveis, como forma de incentivar a plantação de espécies autóctones.

Artigo 5º

Entrada em vigor

O presente diploma entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

 

Assembleia da República, 11 de setembro de 2020.