Aprovado Projeto de Resolução que recomenda a fiscalização da atividade dos Campos de Tiro
A prática de tiro com recurso a arma de fogo está disseminada por todo o país, ocorrendo em recintos destinados para o efeito. O tiro pode ser praticado em «campos de tiro» que consistem em instalações exteriores nas quais são usadas armas de fogo carregadas com munição de projéteis múltiplos. Pode também ser praticado em «carreiras de tiro», em recintos interiores ou exteriores, nas quais são usadas exclusivamente armas de fogo carregadas com projétil único. Existem ainda os «complexos de tiro» que são constituídos por mais de uma carreira ou campo de tiro.
A atividade dos complexos, carreiras e campos de tiro é suscetível de causar danos graves ao ambiente, à qualidade de vida e à saúde das populações. Os elevados níveis de poluição sonora gerados pela prática de tiro podem causar perturbações do sono, stress e distúrbios psicológicos às pessoas que vivem próximo dos recintos de tiro. A utilização de elevadas quantidades de projéteis de chumbo, alvos volantes, cartuchos e buchas de plástico contaminam os recursos hídricos e os solos e, por conseguinte, afetam a fauna e a flora locais. A prática de tiro pode ainda suscitar problemas de segurança pública quando feita na proximidade de zonas habitacionais ou de lazer, sobretudo quando os recintos de tiro estão indevidamente vedados.
A pergunta n.º 402/XIV/1.ª dirigida pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda ao ministro da Administração Interna, em 3 de dezembro de 2019, atesta os graves danos ambientais, de segurança e de saúde pública causados pelo campo de tiro aos pratos do Clube Desportivo Campos do Lis, situado em Marrazes, Leiria. Quando indevidamente insonorizados e vedados, os recintos de tiro são fonte de “ruído ensurdecedor” em zonas habitacionais e de lazer; concentram “toneladas de chumbo” no solo e em cursos de água; os projéteis causam danos em habitações; e os alvos volantes, bem como os detritos deles resultantes, espalham-se, poluindo as áreas circundantes.
Apesar de o risco que os complexos, carreiras e campos de tiro representam para as pessoas e para o ambiente, não existe a obrigatoriedade legal de licenciamento prévio de natureza ambiental ou de ordenamento do território deste tipo de recintos. Assim o confirma o decreto regulamentar n.º 6/2010, de 28 de dezembro, que define as regras aplicáveis ao licenciamento de complexos, carreiras e campos de tiro para a prática de tiro com armas de fogo. Conforme o disposto nos n.º 3 e 4 do artigo 2.º daquele decreto regulamentar, apenas é exigido o parecer favorável de duas entidades para o licenciamento desta atividade: a Polícia de Segurança Pública (PSP), a quem compete “a verificação das condições técnicas e de segurança das instalações e das áreas envolventes, nos complexos, carreiras e campos de tiro”; e as federações desportivas de tiro titulares do estatuto de utilidade pública desportiva às quais compete “a) emitir parecer, com carater vinculativo, sobre as condições técnicas e de segurança dos campos onde se realizem provas desportivas”, e “b) vistoriar o local e as instalações sobre os quais emite parecer, com o fim de serem licenciados pela PSP.”
Acresce que, no n.º 4 do artigo 3.º do mesmo decreto regulamentar, é reconhecido que “o alvará emitido pela PSP não atesta o cumprimento da legislação em matéria de ordenamento do território, recursos hídricos, uso de solos, ruído e licenciamento municipal.” Resulta, por isso, que os complexos, carreiras e campos de tiro podem ser licenciados e obter o respetivo alvará de exploração e gestão sem que estejam reunidas as condições que salvaguardam o ambiente e a qualidade de vida das populações.
De referir que em resposta à pergunta n.º 402/XIV/1.ª colocado pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, o Ministério da Administração Interna revelou que o decreto regulamentar aqui referido “está atualmente em fase de avaliação e ponderação de revisão, designadamente com novas medidas de proteção ambiental, em relação aos resíduos provenientes da atividade dos campos e carreiras de tiro.”
Ora, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda entende que tanto a preservação do ambiente como a qualidade de vida das populações devem ser acauteladas previamente ao licenciamento dos recintos para a prática de tiro. Para tal, as entidades responsáveisnas áreas do ambiente e do ordenamento do território devem ser chamadas a avaliar e a emitir parecer favorável previamente – e não posteriormente – à concessão de licenças e respetivos alvarás para a exploração e gestão de complexos, carreiras e campos de tiro.
Ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo que:
1. Determine que o licenciamento e emissão de alvará para a prática de tiro com armas de fogo em complexos, carreiras e campos de tiro são responsabilidade do ministério competente, nos termos dos n.os 2 e 3 seguintes;
2. Submeta o licenciamento a parecer prévio favorável, emitido por entidade responsável na área do ambiente, que ateste o cumprimento da legislação em matéria de proteção ambiental e recursos hídricos, bem como a parecer prévio favorável por entidade responsável e territorialmente competente que ateste o cumprimento das normas relativas à prevenção do ruído e controlo da poluição sonora. Ambos os pareceres podem ainda ter em conta outras matérias que sejam consideradas relevantes, dentro do âmbito de competência dessas entidades, para a prática da atividade definida no n.º anterior;
3. Submeta o alvará de licenciamento a parecer prévio favorável da câmara municipal territorialmente competente;
4. No prazo de 1 ano, garanta a fiscalização e avaliação das condições de segurança pública e dos impactos ambientais de todos os complexos, carreiras e campos de tiro localizados em território nacional. Determine as medidas necessárias de adaptação das instalações existentes e a suspensão de atividade das mesmas enquanto a situação não for retificada. Assembleia da República, 26 de junho de 2020.