Unidade Local de Saúde (ULS) em Leiria? Não, obrigado [Newsletter: Lado Esquerdo]

A Comunidade Intermunicipal da Região de Le­iria (CIMRL), segundo o comunicado pela imprensa no dia 25 de outubro de 2022, decidiu propor à tutela a criação de uma Unidade Local de Saúde (ULS) em Leiria. Uma ULS é uma forma de integração vertical de cuidados de saúde entre diferentes níveis de cuidados (os cuidados hospitalares, os cuidados de saúde primários e os cuidados continuados) que, teoricamente, procura garantir mais ganhos em saúde para o utente, nomeadamente a nível de um menor tempo de espera para acesso a uma primeira consulta hospitalar de especialidade e cirurgia, um menor tempo de internamento, um maior número de consultas e cirurgias realizadas, e uma melhor eficiência na gestão dos escassos recursos disponíveis, evitando-se também a repetição de exames ou até mesmo a realização de procedimentos que poderiam eventualmente ser considerados como desnecessários. Estes ganhos traduzir-se-iam em menor iatrogenia, menores custos e levariam a um maior grau de satisfação dos­ utentes, que se espelharia em um menor número de reclamações.

A experiência atual de ULS em Portugal, que já conta com 23 anos, desde a criação da primeira ULS em Matosinhos, e contando-se à presente data com 8 ULS no país, é clara. Em termos simples, o modelo ULS não serve! Os vários estudos e relatórios dedicados ao tema conhecidos demonstram de forma inequívoca que os pressupostos teóricos não se concretizaram. Muito pelo contrário, verificou-se um aumento do número de reclamações, um aumento do tempo de espera para consultas e cirurgias, um aumento do tempo de internamento e um aumento dos custos com medicamentos.

Por tudo isto, é incompreensível a inusitada decisão da criação de uma ULS em Leiria.

O processo das ULS, desde a sua conceção em 1999, está inquinado. A sua criação foi entendida como uma exceção ao modelo que estava previsto à época, o Sistema Local de Saúde (SLS), que se mantém no recente Estatuto do Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas que está ainda por aplicar. Quando criada a primeira ULS em Matosinhos previa-se, naturalmente, a realização de estudos para avaliação do seu impacto e, de forma não surpreendente, esses estudos ficaram esquecidos com o passar dos anos, perdidos em alguma gaveta.

Começou mal, e teima-se em não se endireitar. Simplesmente, não existe vontade.

A opção da CIMRL pela criação deste grave erro tem pés de barro, não só porque foi um processo opaco, não se conhecendo atas sobre o processo de decisão, como também não tem qualquer sustentação científica que a consubstancie. Portanto, decide-se com base em achismos o que, em escolhas desta magnitude e importância, é de uma embaraçosa gravidade e de uma ingenuidade que não pode ser aceite.

A CIMRL fala em “boas experiências” de ULS no país, mas, por mais que se procure, elas não se encontram. Na passada Assembleia Municipal de Leiria de 16 de dezembro, quando interpelado pelo deputado do BE Leiria, o executivo camarário cita a ULS de Matosinhos como a tal “boa experiência”, mas a pergunta que se coloca é: com base em quê? A própria página online da ULS de Matosinhos, em um dos seus documentos, refere a “insuficiente integração clínica entre os vários níveis de cuidados”. Ora, a integração clínica é a dimensão que num processo de integração vertical é a mais importante para que se possam atingir as verdadeiras vantagens da integração vertical que uma ULS deveria almejar. E 23 anos depois, isso não se verificou. Existem outras formas de integração, como os SLS, e outro tipo de soluções que têm mostrado ganhos reais em saúde, onde as Unidade de Saúde Familiar Modelo B, ainda que com as suas falhas, que também as têm, são bem sinónimo disso.

Com tanto por se fazer em Leiria na área da saúde, como melhorar as condições do Centro Hospitalar de Leiria e das unidades de saúde dos CSP, opta-se por se rematar para o acessório, distraindo a atenção do essencial, e que servirá apenas para ser um foco gerador de incertezas e com potenciais efeitos nefastos para um já frágil sistema de saúde, com a consequente (e mais acentuada!) fuga de profissionais de saúde do SNS e agravamento da perda contínua de qualidade dos cuidaitdos prestados.

Conclui-se que uma ULS não serve os leirienses e tem o explícito selo de reprovação dos profissionais de saúde dos CSP da região de Leiria.

Uma ULS em Leiria? Um enfático: “Não, obrigado!”

 

Texto: Rafael Henriques

Imagem: Gil Campos