Unidade Local de Saúde (ULS) em Leiria – a confusão continua [Newsletter: Lado Esquerdo]
O inusitado projecto de criação de uma ULS na Região de Leiria começou mal. Sim, já se sabia que este projecto era uma má opção, não só por não responder às necessidades das populações na área da saúde (falta de médicos de família, elevados tempos de espera de acesso a consulta hospitalar ou serviços de urgência insuficiente), como também por não tocar nas carências sentidas diariamente pelos profissionais de saúde (falta de material, estruturas débeis e subdimensionadas, e burocracias). Até bem pelo contrário! Os estudos conhecidos assinalam que a criação de uma ULS pode até agravar muitos dos problemas crónicos da Saúde, levando a um aumento do número de urgências, a um agravamento dos tempos de espera e a a uma diminuição do grau de satisfação dos utentes.
Se o substrato para esta decisão é manifestamente frágil, sem sustentação científica e em resultados objectivos, a forma como todo o processo está a ser conduzido conheceu, recentemente, mais um capítulo que apenas reforça a falta de preparação nesta decisão.
O que começou por ser um apelo da Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL) ao Ministério da Saúde, sem auscultar os profissionais de saúde, para se criar uma ULS que integrasse, numa mesma entidade, o Centro de Hospitalar de Leiria (CHL) e as unidades de saúde dos Cuidados de Saúde Primários (CSP) dos 10 concelhos que constituem a CIMRL, rapidamente perdeu metade dos seus concelhos (Alvaiázere, Ansião, Castanheira de Pêra, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande). Apesar dessa decisão ser lógica, porque, enquanto concelhos do norte do distrito, têm uma mais rápida resposta e proximidade articulando-se com o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) ao invés de com o CHL, tal não se compreende pois, enquanto membros plenos da CIMRL, estes mesmo concelhos fizeram parte da tomada de decisão por uma ULS na Região de Leiria da qual agora se demitem. O que mudou no espaço de uns poucos meses? A geografia e as acessibilidades não foram, certamente.
Em relação ao que se vai conhecendo sobre o processo concreto de criação da ULS, a integração de cuidados que se quer vender com este modelo de organização manterá assimetrias e discrepâncias que o mesmo modelo deveria resolver. Um exemplo simples, mas bem elucidativo, é na área da Obstetrícia e vigilância da gravidez de baixo risco. Enquanto que as grávidas vigiadas no concelho de Pombal, um dos concelhos cujas unidades de CSP serão também integradas na ULS, poderão manter o seu protocolo de acompanhamento com uma das maternidades de Coimbra, que tem boa aceitação e bons resultados, as grávidas do concelho de Leiria ficarão com o CHL como hospital de referência que, por falta de obstetras, como assumido pelo Conselho de Administração do CHL em reunião com o BE no passado dia 13 de Janeiro, apenas garante a realização da primeira ecografia obstétrica. Para a marcação das restantes ecografias, que devem ocorrer em tempos muito específicos da gravidez, cabe à grávida ser resiliente e proactiva no seu esforço por encontrar uma vaga. Não poucas vezes, o desespero é tal que arriscar-se-ia afirmar que seria bem mais fácil encontrar uma agulha em um qualquer palheiro.
Portanto, metade dos concelhos que votaram pela criação de uma ULS na região de Leiria rejeitam associar-se a esta “boa experiência”, e os concelhos condenados a ficar neste irresponsável projecto assistem a uma integração de cuidados que mantém assimetrias em vez de as resolver.
Enfim, não só o processo de criação de uma ULS em Leiria começou mal, como nas etapas que se têm seguido a confusão continua. Certamente, outros capítulos se seguirão.
Texto: Rafael Henriques