O estado da saúde, o estado a que chegámos.
O Serviço Nacional de Saúde (SNS), por mais que que se martelem os números, está deficitário, a vários níveis.
A nível orçamental, as dotações não acompanham a inflação e não dão resposta às necessidades reais. Existe uma carência transversal de meios humanos, que tanto têm feito em especial nos últimos anos. Os profissionais de saúde estão sobrecarregados. Entre apoio à pandemia, à vacinação e planos de contingência da gripe falamos de pedidos em catadupa para um número de profissionais abaixo do razoável.
O diagnóstico não é novo, e é bem conhecido. Tem falhado a prescrição do tratamento, que tem condicionado o direito pleno à saúde.
Isto é grave dado que o tratamento é conhecido: melhor gestão, descentralizada, integrada e próxima das pessoas, mais recursos humanos, salários dignos e perspetivas de carreira.
É ainda mais grave se, sabendo-se qual o tratamento adequado, se opta por homeopatias e placebos.
De acordo com o anúncio da Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL), esta propôs à Direção Executiva (DE) do SNS a criação de uma Unidade Local de Saúde (ULS) em Leiria, com a qual se pretende “melhorar o funcionamento da prestação dos cuidados de saúde”, alicerçando-se num conjunto de pressupostos teoricamente vantajosos (melhor gestão, descentralização, autonomia, integração), mas que não passam de utopias sem qualquer respaldo na realidade. Este modelo falha, na prática, em toda a linha.
O vice-presidente da CIMRL, Jorge Vala, apresenta uma visão redutora e maniqueísta, reveladora da clara falta de compreensão da complexidade dos problemas de saúde, usando afirmações incorretas e imprecisas. Percebe-se o deslumbramento pelo modelo de ULS no seu discurso, aludindo às “boas experiências” de ULS noutros locais do país, como panaceia para a resolução do problema das urgências do CHL, relegando para segundo plano a raíz dos problemas dos cuidados de saúde primários.
O Bloco de Esquerda não conhece essas “boas experiências”. Não conhece o BE nem, aparentemente, os profissionais de saúde – nos cuidados de saúde primários ou hospitalares. Também a Associação Nacional de Unidades de Saúde Familiar (USF-AN) é contra este modelo.
Somos ainda confrontados com uma referência a uma reunião com o CHL, mas não existe referência alguma a qualquer reunião com a direção executiva do Agrupamento de Centros de Saúde Pinhal Litoral (ACES PL). Apenas podemos concluir que não foi tida nem achada na decisão.
O ACES PL fez o que a CIMRL não fez. Ouviu todos os seus profissionais. À pergunta “Apoia a criação de uma ULS na área do ACES PL?” responderam cerca de metade dos profissionais, 334, com cerca de 70,5% dos profissionais a mostraram-se contra. Os profissionais da área sabem do que falam. Aparentemente, a CIMRL não!
A pergunta que se coloca é: onde está a fundamentação para serem apelidadas de “boa experiência”?
A página da CIMRL é um deserto de informação. Não existem atas. “Achismos” e muita fé não chegam.
O Bloco de Esquerda é a favor da integração de cuidados, mas não pode apoiar um modelo que não cumpre
nem concretiza o idealizado e que piora os resultados em saúde.
Desde que foi criada a primeira ULS em 1999, a título experimental (sem avaliações sistemáticas), existem
atualmente 8 ULS em Portugal, com a última a ser criada em 2012.
Os vários estudos e relatórios realizados apontam para os vários problemas deste modelo. O mais recente (1) publicado este ano, enumera: o tempo médio de espera para cirurgias programadas estagnou; há um aumento do número de reclamações; verifica-se um aumento do tempo médio de estadia em internamento; um aumento dos custos com medicamentos, e, um aumento progressivo do número de urgências, um dos grandes problemas que a proposta de criação da ULS em Leiria quer resolver.
O Bloco de Esquerda não encontra qualquer estudo que justifique a intenção de implementação de uma ULS em Leiria.
O modelo de ULS não serve os utentes nem os seus profissionais! Este modelo promoverá a fuga de profissionais e tornar a região menos atrativa para a sua fixação. A ULS não será o desejado curativo milagreiro para as urgências, e poderá constituir-se, até, o agente decapitador de um sistema de saúde local em esforço.
Os executivos camarários da região e a CIMRL deveriam, sim, dirigir os seus esforços junto do governo central para concretizar o projeto de ampliação do CHL e falar com as unidades de saúde de proximidade para avaliar as suas carências.
Para decisões desta grandeza, o melhor auxílio é a ciência, e o que os dados mostram é que ganhos teóricos do modelo ULS não têm respaldo com a realidade.
Durante a última assembleia municipal de Leiria, no passado dia 16 de dezembro, Partido Socialista e o Presidente da Câmara Municipal de Leiria, Gonçalo Lopes, aparentaram desconhecimento sobre as implicações concretas e o impacto decorrentes da criação de uma ULS em Leiria. Quando confrontados com estudos concretos respondem com “a intenção está lá, esperemos que resulte”.
Ainda há tempo para reverter esta decisão de forma a não prejudicar e agravar o estado da saúde do concelho, haja essa vontade!
Leiria, 20 de dezembro de 2022
A Comissão Coordenadora Concelhia de Leiria do Bloco de Esquerda
(1) “Unidade local de saúde: Um modelo de integração vertical dos cuidados de saúde”, de João Cruz (Unidade Local de Saúde do Nordeste), Susana Escanciano (Faculdade de Direito da Universidade León), Ana Belém Marcos (Instituto Politécnico de Bragança) e Maria Helena Pimentel (Escola Superior de Enfermagem de Coimbra), de janeiro de 2022