Entrevista: Leonor Rosas [Newsletter: Lado Esquerdo]
Começou por se juntar ao Bloco em 2018, durante o seu primeiro ano de faculdade, afirmando que o que a levou a entrar no Bloco “foi o papel que teve nos anos da Troika, ou seja, ver como a força do Bloco teve importância para travar políticas de direita”. Atualmente, com uma licenciatura em ciências políticas e relações internacionais, Leonor faz parte dos jovens do Bloco, onde se desenvolveu como ativista estudantil e feminista. Em entrevista ao ‘Lado Esquerdo’ sublinha a importância da memória na politização e da desmistificação da ideia de que os jovens não se interessam por política, realçando o nosso património de lutas e aquelas que ainda estão para vir no combate da ideia de um mundo sem futuro em que não vale a pena lutar.
O que é que te levou a tornares-te militante do Bloco? Alguma causa em específico? E porquê o Bloco?
Leonor Rosas: Eu entrei no Bloco por várias razões. Entrei em 2018, no meu primeiro ano da faculdade, e uma das razões importantes que me levou a alistar no Bloco foi o papel que teve nos anos da Troika, ou seja, ver como a força do Bloco teve importância para travar políticas de direita, como se organizou e resistiu à política da Troika. E depois, como a força da esquerda, mas em específico do Bloco, conseguiu travar o novo governo da PàF (Portugal à frente). Adicionalmente, ver também que durante os anos da geringonça o Bloco estava a ser, na altura ainda, decisivo para avançar com uma série de medidas que por um lado reverteram coisas que tinham acontecido durante os anos da Troika, mas por outro avançavam com direitos e questões sociais significativas o que para mim era muito importante. Ao mesmo tempo, escolhi o Bloco e não outro partido qualquer, pela questão dos direitos sociais, nomeadamente, a questão feminista, antirracista, ambientalista, LGBTQIA+, que eram tópicos, e continuam a ser, muito importantes para mim, e não conseguiria estar num partido de esquerda onde essas causas não fossem centrais. Por exemplo, para mim a questão da luta das mulheres era fundamental, e ver que o Bloco tinha tantas mulheres envolvidas na luta feminista, e que era uma causa tão importante até ao nível dos projetos na assembleia da Républica, foi crucial para mim. E finalmente, a questão da democracia e do pluralismo, o facto do Bloco ser uma esquerda que não dispensa a democracia, não dispensa as diferenças de opiniões, isso para mim também era uma questão muito importante, estar num partido democrático e plural.
“E finalmente, a questão da democracia e do pluralismo, o facto do Bloco ser uma esquerda que não dispensa a democracia, não dispensa as diferenças de opiniões, isso para mim também era uma questão muito importante, estar num partido democrático e plural.”
Sendo que estás bastante envolvida nos Jovens do Bloco, que causas é que, na tua ótica, preocupam mais os jovens de hoje?
Leonor Rosas: Eu diria que a causa mais importante de todas, neste momento, é a habitação. Por um lado, porque, por exemplo, para quem estuda no ensino superior a habitação representa a maior fatia das despesas que nós temos. As rendas são altíssimas, em Lisboa, uma renda de um quarto pode chegar aos 400/500€ por mês, e muitas vezes esses quartos são insalubres, pequenos, por vezes partilhados, os inquilinos não têm recibos e estão sempre expostos a serem despejados a qualquer altura, e isto acaba por ser um fator que impede muitas pessoas de seguir para o ensino superior. Portanto, a nível dos estudantes, sem dúvida que a habitação é o grande problema, sendo que como é óbvio, acabar com a propina é fundamental. Diria também, que para os jovens adultos, que já trabalham, que querem sair de casa dos seus pais, mesmo que já não sejam estudantes, o problema não é menor, ou seja, a habitação é o grande problema! Somos dos países em que mais tarde se saí de casa dos pais, exatamente porque alugar uma casa é dificílimo, comprar uma casa tornou-se numa miragem cada vez mais distante, e isto conjugado com dois terços dos jovens terem contratos de trabalho precário aliasse ao facto de que não podemos sair de casa dos nossos pais e, por isso a habitação tornou-se no grande problema da nossa geração, acho que isso se viu nas grandes manifestações que tivemos a 1 de Abril, e tenho a certeza que os jovens e as pessoas em geral se vão continuar a mobilizar à volta desta questão da habitação.
“Portanto, a nível dos estudantes, sem dúvida que a habitação é o grande problema, sendo que como é óbvio, acabar com a propina é fundamental. Diria também, que para os jovens adultos, que já trabalham, que querem sair de casa dos seus pais, mesmo que já não sejam estudantes, o problema não é menor, ou seja, a habitação é o grande problema!”
O que é que encontraste nos jovens do Bloco que te ajudasse a desenvolver como ativista?
Leonor Rosas: Eu acho que os Jovens do Bloco estão envolvidos numa série de causas diferentes, juntam muitos ativismos diferentes, ou seja, pessoas que se ligam a diferentes lutas e que têm diferentes perspetivas, diferentes experiências e para mim isso é o que é mais enriquecedor nos Jovens do Bloco. Quando uma pessoa se junta aos Jovens do Bloco têm neles uma ferramenta para intervir numa série de diferentes causas e questões, e isso é muito importante e interessante.
“Quando uma pessoa se junta aos Jovens do Bloco têm neles uma ferramenta para intervir numa série de diferentes causas e questões, e isso é muito importante e interessante.”
Há cada vez mais a ideia de que os jovens não se interessam por política, concordas com esta afirmação? É a política para jovens? Ou ao invés dos jovens não se interessarem por política, será que é a política que tem de se adaptar aos jovens de hoje?
Leonor Rosas: Primeiro, acho que se sublinha demasiado esta ideia de que os jovens não querem saber, quando na verdade o que nós temos visto é que as últimas grandes mobilizações sociais, dos últimos anos, têm todas tido jovens na linha da frente, quer se fale dos movimentos climáticos, feministas, antirracistas, todos eles têm tido jovens muito envolvidos. Agora, sem dúvida, que há uma questão que é preocupante, que é o facto da abstenção na faixa entre os 18 e os 25 anos ser a mais alta e isso deve-nos preocupar, e deve-nos fazer tentar perceber como é que podemos chamar as pessoas mais novas, como é que podemos chamá-las para votar, que ferramentas é que nós como Bloco de Esquerda podemos utilizar para fazer a nossa mensagem chegar às pessoas mais jovens e levá-las a interessar-se e a encontrar em nós, possivelmente, a solução para muitos problemas que têm. Agora, há uma coisa que tu colocaste que acho que faz sentido, que é como é que a política se pode tornar também mais interessante para os jovens? Para começar, acho que tudo é política, todas as nossas ações, tudo o que nós pensamos, a forma como nos comportamos, agimos com os outros, em sociedade, tudo é político. Mas, falando estritamente da política partidária, eu acho que possivelmente existem muitos jovens que olham para o status quo atual, em que são precários, não têm uma casa decente, ou não têm casa, veem um futuro de alterações climáticas, e parece que ficaram sem futuro, que não há um futuro digno, não há uma ideia de progresso social, não há uma ideia de melhoria das condições de vida. E isso faz com que muitas pessoas da nossa geração percam a esperança, e achem que não vale a pena, ou seja, que é inútil tentar mudar. Isso devesse a muitos anos de política em que nos roubaram o futuro, política que nos obriga a viver em meses demasiado longos para os nossos salários demasiado curtos, políticas que nos tiraram as casas, políticas que destroem o planeta, políticas que destroem direitos sociais que nos garantiam a possibilidade de salário digno e de termos uma família. Foram muitos anos disto. E o que nós precisamos de fazer, como Bloco e à esquerda, é mostrar que existem organizações políticas, partidárias, que querem recuperar essa ideia de futuro, que querem dar uma vida melhor para as próximas gerações, e acho que é esse caminho que temos que fazer, tentar chegar às pessoas que estão desiludidas e que estão chateadas, e com razão!
E o que nós precisamos de fazer, como Bloco e à esquerda, é mostrar que existem organizações políticas, partidárias, que querem recuperar essa ideia de futuro, que querem dar uma vida melhor para as próximas gerações, e acho que é esse caminho que temos que fazer, tentar chegar às pessoas que estão desiludidas e que estão chateadas, e com razão!
Os estudantes tiveram um papel crucial na resistência ao regime de Salazar. Num tempo em que a extrema-direita está a ganhar terreno, não só em Portugal como noutros países, qual a importância de politizar os jovens?
Leonor Rosas: Mencionaste a resistência ao Estado Novo dos estudantes e com muita razão, eu acho que o nosso património de lutas é muito vasto e vai muito para trás, as crises académicas de 62 e 69, são um grande exemplo do que é que os estudantes e os jovens fazem quando se unem, e de facto fizeram tremer o regime. Mostraram que os jovens estudantes não tinham medo de lutar, apesar de todas as consequências, de prisões, do envio para a guerra colonial, de serem expulsos das faculdades, etc. Como jovens, a nossa geração chegada a 2023, quase nos 50 anos do 25 de Abril, tem um grande património de lutas, do 25 de abril à luta antipropina dos anos 90, e acho que uma parte importante dessa politização dos mais jovens, havendo muitas outras formas de o fazer, pode e deve ser através da memória. A memória é uma ferramenta muito importante na luta política, e na minha perspetiva, também na politização. Falar aos jovens do caminho que nós percorremos para chegar até aqui, o facto das nossas liberdades, garantias e direitos sociais não nos terem sido oferecidos mas terem sido ganhos com muita dificuldade na luta, relembrar quem é que lutou e que não foi assim há tanto tempo, explicar como é que era a vida dos jovens durante a ditadura em comparação com o que é hoje em democracia, perceber o que é que mudou, e o que é que está em causa quando vemos o avanço da extrema direita e quando ouvimos o discurso da mesma. Tentar fazer esse paralelismo entre o que já foi, ou seja, a forma como eles (o chega, a extrema-direita e na altura o Estado Novo) tentam trazer esse discurso saudosista, explicar às pessoas e lembrar-lhes do que é que foi o Estado Novo, o que é que significa cortarem-nos essas liberdades. Acho que há uma parte da politização que se pode fazer junto dos jovens através dessa luta pela memória, e sem nunca deixar que a extrema-direita ganhe a narrativa sobre o Estado Novo e o 25 de abril.
“Como jovens, a nossa geração chegada a 2023, quase nos 50 anos do 25 de Abril, tem um grande património de lutas, do 25 de abril à luta antipropina dos anos 90, e acho que uma parte importante dessa politização dos mais jovens, havendo muitas outras formas de o fazer, pode e deve ser através da memória. A memória é uma ferramenta muito importante na luta política, e na minha perspetiva, também na politização.”