Demissão do Governo – como fica a Saúde? [Newsletter: Lado Esquerdo]

A Saúde em Portugal está num estado de caquexia. O colapso do governo, a 7 de Novembro, após o conhecimento público de que o primeiro-ministro (PM) era citado em escutas de terceiros, veio apenas agudizar ainda mais a fragilidade e o clima de incerteza que se vive no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Assiste-se, sem precedentes, e de forma quase ubiquitária, ao encerramento de múltiplos serviços públicos de urgência pelo país, situação para a qual o Diretor Executivo do SNS já havia avisado quando questionado sobre os riscos de o Governo não chegar a um acordo com os sindicatos médicos. Pressionado, com a entrada de milhares de minutas de médicos a recusarem-se a realizar mais das 150 horas extraordinárias além daquelas a que são ‘legalmente’ obrigados, Pizarro foi coagido a voltar à mesa de negociações, mas, mantendo a mesma postura de intransigência que tão simpaticamente nos tem habituado, não são expectáveis novidades positivas para o SNS, seus profissionais e utentes. Se com os médicos ainda vai ‘negociando’ e apresentando soluções, as suas (precárias), para as restantes profissões da saúde (enfermeiros, farmacêuticos, técnicos superiores de saúde, médicos dentistas, psicólogos, secretários clínicos, entre outros), o vácuo de propostas é explosivo, e o mutismo negocial é gritante.

Curiosamente, no mesmo dia em que o PM apresentava a sua demissão e, com ele, do restante corpo governativo, eram aprovados dois decretos-lei (DL) com impactos relevantes no SNS: um sobre a criação das Unidades Locais de Saúde (ULS), e outro sobre o regime de Dedicação Plena (DP).

O primeiro, criado para promover a integração de cuidados de saúde, primários e secundários, e resolver ineficiências do serviço de saúde público, nasce, paradoxalmente, sem qualquer envolvimento sério dos profissionais de saúde cujas unidades serão formalmente integradas a 01 de Janeiro de 2024. Apenas no plano formal, porque, em termos práticos, muitas dúvidas persistem. Desconhece-se qual será a composição dos Conselhos de Administração destas novas entidades, quais serão as suas novas ferramentas e instrumentos gestionários, e o seu alcance, e ainda como, concretamente, será operacionalizada no terreno esta integração.

Por seu turno, o segundo DL resulta de uma aprovação unilateral por parte do Ministério da Saúde (MS), num período extraordinário de negociações, já depois do insucesso de mais de 14 meses de negociações em que as reivindicações médicas se viram frustradas (exclusividade facultativa não foi colocada a discussão, e a revisão da carreira, de forma a que seja atractiva, também ficou de fora, só para enumerar alguns pontos). Recorrendo a termos menos gravosos, bondosos até, todo este processo decorreu de forma atabalhoada e aos solavancos, sem envio de ordem de trabalhos e sem disponibilização de atas, e com reuniões a serem canceladas sem um aviso atempado. Simultaneamente, em acessos de verborreia, Pizarro, diz que querer negociar e aproximar posições. Uma esterilidade. Este novo regime, uma espécie de truque de linguagem, é insuficiente para a maioria dos médicos, ilegal em muitos dos seus aspectos, e, para os médicos dos Cuidados de Saúde Primários, é uma autêntica chantagem inaceitável. Propõe aumentos “poucochinhos” de salários, empolados mediaticamente, sem recuperar as perdas salariais das últimas duas décadas, implicando, simultaneamente, um aumento desproporcional da carga de trabalho, coartando a acessibilidade aos utentes, a qualidade dos serviços de saúde e o bem-estar dos seus profissionais.

Estes dois articulados, de aplicação nacional, e com produção de efeitos a 01 de Janeiro de 2024, têm implicações locais. Não resolvendo os problemas estruturais, certamente irão criar maior entropia e ter, sem surpresas, efeitos deletérios, empurrando mais profissionais de saúde para a emigração ou para o privado, sobrecarregando aqueles que decidam permanecer no SNS.

Enquanto a confusão mediática perdura, em que o Partido Socialista e o Governo berram números e regurgitam estatísticas ocas e sem qualquer correspondência com a realidade, o SNS definha e, localmente, em Leiria, há sintomas disso mesmo. Na edição de 16 de Novembro do jornal “Região de Leiria”, assistiu-se a uma entrevista à Directora do Serviço de Urgência do Centro Hospitalar de Leiria, com declarações assustadoras. Por um lado, esta não reconhece os problemas dos serviços que gere e com que interage, numa espécie de alienação cognitiva, como dispara e atira injúrias a colegas e utentes, citando números mentirosos e sem qualquer suporte ou fonte. O tom autocentrado ofusca qualquer empatia que possa ser sentida quando se conhece, de antemão, o esforço e o cansaço a que deve estar sujeita num serviço real que se encontra em choque, pré-colapso. Outros sintomas são as declarações, num artigo no mesmo periódico, do presidente da Câmara Municipal de Leiria, nas mãos do socialista Gonçalo, e de outros edis eleitos pelo PSD. Em contramão às propostas dos respectivos partidos a nível nacional, numa jogada populista e inconsequente, reconhecem que pagar 40 euros por hora a um médico não é suficiente para fixar e atrais médicos no SNS. Bem-vindos à luta! Pena os respectivos colegas de partidos, em Lisboa, não terem o mesmo entendimento.

Estando este governo demissionário, avizinham-se eleições, e até apuramento dos seus resultados, aguardemos por novidades. Até lá, a Saúde em Portugal está mal, moribunda, sendo parcamente paliada com placebos e homeopáticos baratos e de qualidade duvidosa, sem perspectiva de cura ou tratamento milionário que lhe dê mais tempo ou qualidade de vida.

 

Texto: Rafael Henriques