Declaração Política: O peso da Cultura que transportamos
À medida que crescemos a nossa capacidade de ação adquire várias formas e consequentemente vários pesos.
Quando aprofundamos os nossos objetivos e nos deparamos com as várias desigualdades, confirmamos que esta forma “democracia”, que conhecemos, só pode ser um processo em construção e que não podemos esperar que as coisas se tornem mais justas sem termos um papel ativo nessa mudança.
Adquirimos a certeza de que a cultura transporta desequilíbrios antigos, difíceis de reconhecer e ultrapassar, formas de violência e de discriminação que conseguimos identificar na nossa vida, na vida dos nossos familiares e reconhecemos esse desequilíbrio na estrutura social que partilhamos.
A Esquerda, uma dimensão consciencializada, foi sempre alvo de desprezo e ridicularização por parte das correntes que acompanham a tradição, os pesos da cultura. A oposição e a criação de ruturas nunca foram tarefa fácil.
Essa anulação da relevância política, esse menosprezo pelo conteúdo partidário anticapitalista, tem-se manifestado ao longo do tempo, de diversas formas.
Ainda hoje, mesmo com uma distância temporal de análise significativa, são inúmeros os teóricos que olham para as teorias marxistas e as colocam dentro de uma linha de produção, afirmam que o marxismo, dentro do mundo da revolução industrial, funciona para uma fábrica e não para o seu exterior.
É este menosprezo que não pode passar despercebido por nós, ativistas da esquerda. É bem visível a forma simples adotada por certos pensadores contemporâneos que desconsideram a importância civilizacional de uma teoria que recriou o tempo e o espaço da luta social, que fraturou a cultura da opressão e que fez com que a partir desse ponto ganhássemos uma nova consciência da nossa objetificação no desenho do sistema económico, este esquema de classe que vincou bem a linha do pensamento moderno.
Será na mesma linha de raciocínio, que muitos comentadores e teóricos políticos olham para o Bloco de Esquerda como o partido que está no lado oposto à extrema-direita. Um partido perigoso com ideias extremistas, radicais, que coloca em risco a estabilidade de gestão e execução de qualquer governo com “os pés assentes na terra”.
Desde o início que o Bloco de Esquerda debate-se, não com fragilidades no campo político, mas com as ideias feitas da massa crítica, que olha para um partido de esquerda e vê logo a sua inutilidade, uma base utópica em todas as propostas, uma crítica que olha para nós com os entrolhos da ignorância, porque “é muito fácil ser de esquerda” e muito simples “estar sempre contra tudo”.
É a mesma argumentação que nos diz, quando enfrentamos métodos opressivos de sobrevivência, que não vamos ultrapassar as nossas dificuldades, os mesmos argumentos que nos colam ao chão e nos dizem que não vamos conseguir e que qualquer transformação é irresponsável, pois devemos seguir e suportar o peso da cultura que transportamos, mesmo que não seja justa.
A formação do Bloco de Esquerda em Portugal foi tão importante na construção da força do movimento social como a teoria marxista com o dogma da luta de classes, a outra escala naturalmente.
O partido irreverente com a coragem de criar fendas nos pesos-pesados da repressão cultural, o partido das causas fraturantes, que por fim respeitava as liberdades individuais com o objetivo de uma unidade coletiva plural e solidária.
Quando pudermos escrever a história de hoje e olharmos para trás vamos ver o que nenhum politólogo pode apagar. Vamos ver que o Bloco de Esquerda, embora partido fresco, foi essencial em muitos dos avanços alcançados pela democracia pós-Estado Novo, no campo dos direitos humanos, de forma particular dos direitos da mulher, das liberdades individuais e consideravelmente de maior justiça social.
Houve uma evolução e nós fizemos parte desse progresso coletivo, não estivemos no extremo, estivemos lado a lado com as pessoas, acompanhámos as suas manifestações e levámos para o parlamento discussões até então desvalorizadas.
O Bloco de Esquerda está na lei que, finalmente, considerou a violência doméstica como crime público, está na despenalização voluntária da gravidez, está no casamento e adoção para pessoas do mesmo sexo, está na despenalização da eutanásia, na luta pelo fim da precariedade laboral, na luta pelo fim da corrupção financeira, estamos na lei de bases que defende a valorização de um Serviço Nacional de Saúde universal e gratuito, estamos em qualquer luta lado a lado com as pessoas, contra as desigualdades e pela dignidade de vida de cada um e cada uma de nós. Não estamos no extremo, estamos dentro do movimento social por uma política de esquerda anti-capitalista, anti-conservadora, socialista, feminista e ecologista.
O atual contexto de pandemia só veio confirmar e agravar as fragilidades da nossa estrutura social e económica, as insuficiências na proteção laboral, na saúde, na educação, a completa ausência de garantias para os profissionais das artes e da cultura.
E mais uma vez mostrámos a nossa força, a nossa capacidade política para enfrentarmos os pesos da corrente, como único partido de esquerda que votou contra um Orçamento do Governo nacional do Partido Socialista, que não usa os recursos necessários para responder à crise económica e social que estamos a viver.
Apesar da queda percentual nas eleições presidenciais, nós conhecemos o peso da cultura que transportamos, fomos o partido que vincou bem a sua posição de reforço do Serviço Nacional de Saúde e que marcou uma posição firme contra a ascensão da extrema-direita, movimento que deixou a história bem marcada pela violência da tirania.
Despertámos uma onde de solidariedade nacional para com a dignidade e o respeito pela mulher, quando pintámos os lábios de vermelho.
O peso da cultura que transportamos atropela-nos e vão existir momentos em que não atingimos os nossos objetivos, mas não desistimos. O que enfrentamos é pesado porque tem anos e anos de consolidação, pela concordância e submissão das ideias.
Haverá sempre vozes que nos colocam naquele sítio, que ninguém sabe muito bem qual é, mas nós sabemos que não viramos as costas às lutas sociais, estaremos em cada desigualdade a reivindicar mudanças estruturantes que, de facto, melhorem a vida das pessoas, somos esta esquerda socialista que fratura a cultura onde esta separa, onde cria privilégios e onde é violenta.
Não desistimos!