2% dos beneficiários da PAC recebem tanto quanto outros 90% de agricultores
Em entrevista ao Esquerda.net, Ricardo Vicente, deputado do Bloco de Esquerda, desmistifica os 10 mil milhões de euros da “bazuca” incluídos na Política Agrícola Comum, a sua concentração em grandes explorações e monoculturas sobretudo no Alentejo e as empresas privadas de consultoria que dominam os estudos de implementação dos fundos, ao invés das universidades ou institutos públicos.
Quanto dinheiro virá da Europa através da Política Agrícola Comum?
Trata-se de 10 mil milhões de euros - uma verdadeira bazuca. Estes fundos são provenientes da Política Agrícola Comum, que é reformulada de sete em sete anos, e está neste preciso momento em produção o Plano Estratégico para a sua aplicação em Portugal, para aplicar no desenvolvimento rural, na agricultura, na floresta, para prevenir incêndios, para preservar biodiversidade, para travar o abandono das áreas agrícolas e com isso ganhar resiliência e promover o desenvolvimento das economias locais, plano esse que tem que está a ser produzido forma obscura.
Como têm sido distribuídos estes fundos?
É aí que está o verdadeiro problema. Além do elevado nível de exclusão que deixa 40% dos agricultores de fora, há depois um grande nível de desigualdade entre os beneficiários. Há 2% dos beneficiários da Política Agrícola Comum - 2% das explorações agrícolas - que beneficiam destes apoios públicos que concentram um terço da totalidade dos apoios. Esses 2% localizam-se quase todos no Alentejo. E depois, do outro lado, há 90% das explorações agrícolas beneficiárias que concentram outro terço nos apoios. Portanto há 2% das explorações agrícolas que auferem tanto como 90% dos beneficiários. E este nível de desigualdade é uma situação de privilégio que entrega a grandes proprietários, porque a maioria dos apoios da política agrícola comum são entregues em função da área. Não consideram o emprego, não consideram a produção, não consideram os serviços ambientais que são efetivamente prestados. São entregues única e exclusivamente em função da área declarada. E este é um dos grandes entorses que é necessário corrigir para que a aplicação da Política Agrícola Comum seja mais justa em Portugal.
Como é que a distribuição destes fundos afeta o território?
Estudos recentes demonstram-nos que são as regiões onde a Política Agrícola Comum menos financia, menos apoia os agricultores e as comunidades locais, são essas mesmas regiões que tiveram maiores incêndios de grande intensidade e perigosidade nos últimos anos. O exemplo é o Pinhal Interior, onde por trabalhador agrícola recebem dez vezes menos apoios do que o Alentejo. E porque é que aqui houve este este grande risco de incêndio de elevada perigosidade? Porque se combina um elevado nível de abandono da atividade agrícola com uma elevada homogeneização da paisagem. Há uma monocultura de eucalipto e pinheiro com dimensões paisagísticas, há o abandono da agricultura que fragmenta esta paisagem. E, porque a política pública direcionada à agricultura e à floresta foi incapaz de travar este abandono, cresceu exponencialmente o grande risco de incêndio. A Política Agrícola Comum tem de ser revista na sua aplicação e corrigir este problema e garantir resiliência e proteção destas populações.
O que poderia fazer o Governo?
E nós, o que é que podemos fazer?
A mudança do modelo agrícola e de desenvolvimento rural são essenciais para responder às alterações climáticas. Se não queres repetir os erros desastrosos do passado, com monocultura de eucalipto a promover incêndios, com olival superintensivo a destruir paisagem e recursos naturais, com as estufas a ocuparem parques naturais como é o exemplo da Costa Vicentina e Sudoeste alentejano, então é importante que estejamos informados, que divulguemos, que participemos em ações de protesto e que nos mobilizemos para recusar este caminho em resposta ao interesse público e ao interesse das gerações futuras.